SERTÃ: José Farinha Nunes – 12 anos à frente do Município

Entrevista de fim de mandato.

SERTÃ: José Farinha Nunes – 12 anos à frente do Município

José Farinha Nunes tomou posse como presidente da Câmara Municipal da Sertã no dia 30 de outubro de 2009. Cumpriu três mandatos à frente da autarquia sertaginense e no próximo dia 14 de outubro passa a pasta ao seu sucessor. Ao fim de 12 anos de governação o ainda presidente da câmara concedeu uma entrevista à Rádio Condestável onde aborda diversos assuntos e faz o balanço deste tempo de uma governação que teve sempre muitos problemas para resolver.

Rádio Condestável (RC) - Presidente José Farinha Nunes, que balanço faz de 12 anos de mandatos autárquicos?
José Farinha Nunes (JFN) – Foram três mandatos com alguma dificuldade porque quem está na política e à frente de uma câmara tem sempre problemas para resolver e houve muitos para resolver. Tentámos ultrapassá-los da melhor forma possível e em todas as áreas.
Na última sessão da Assembleia Municipal deixei o resumo desse trabalho. Basta olhar para lá que o resumo demonstra bem a nossa dedicação em várias áreas. Nas infraestruturas, renovações de infraestruturas, requalificações, na saúde, educação, ambiente, cultura, desporto, etc. Foi um trabalho que foi sendo melhorado ao longo dos tempos. Está à vista.

RC – Disse que foi difícil, estava à espera?
JFN – Sim, porque temos consciência que quem anda na política tem sempre ataques, umas vezes justos, outras nem tanto. Depois, passados uns tempos, se falarmos particularmente com quem nos atacou dizem-nos que estão a fazer política e que tem que ser assim. Não é que seja justo ser assim.

RC – E sabia que funcionava assim?
JFN – Sabia, até porque antes de ser presidente de câmara, estive oito anos na Assembleia Municipal da Sertã, quatro como secretário e quatro como presidente. Já tinha ideia como funcionam os cargos políticos. Mas não havia necessidade de ser assim e é por isso que muitas vezes as pessoas não se aproximam dos lugares políticos. Deviam, porque é importante, pois estamos a falar da sociedade, de resolver os problemas das pessoas, das empresas, instituições e era bom que viessem os melhores para a política mas às vezes esses têm receio de começar a ser atacados. Sabemos que há dias para sermos atacados e dias para atacar.

RC – Chegou a arrepender-se?
JFN – Nunca. Nunca me arrependo daquilo que faço. Terminou e concordo com a limitação de mandatos. Às vezes pode parecer que sem nós isto não funciona mas não. Sei perfeitamente que funcionará e até melhor porque quando se chega de novo queremos criar e inovar. É sempre boa esta renovação.

RC – Quais foram as primeiras medidas que tomou há 12 anos?
JFN – Havia uma grande preocupação em pagar aos fornecedores. Foi o que mais nos preocupou e fomos ao encontro de soluções. Constantemente as empresas estavam a telefonar-nos e até a tratar mal os funcionários (que não tinham culpa das dívidas que existiam). Essa dívida de oito milhões de euros era difícil de ultrapassar. Havia empresas a quem se devia mais de um milhão de euros. Eram pelo menos três. Assim nem conseguíamos negociar preços porque as empresas não sabiam quando iam receber. A partir do momento em que estabilizámos essa situação (um ano depois), começámos a trabalhar de uma forma perfeitamente normal.

RC – Depois de arrumar a casa, como tantas vezes disse, que projeto tinha expectativa de realizar?
JFN – Quando chegámos não tínhamos projetos pendentes. Agora temos e é só continuá-los. Foi começar tudo de novo, e fazer projetos demora sempre tempo. Mesmo na comunidade intermunicipal, quando chegámos, não tínhamos projetos para apresentar e ficámos um pouco prejudicados. Mas depois recuperámos.

RC – Preocupou-o deixar obra para o futuro?
JFN – Sim. E falando de infraestruturas, estão praticamente feitas. Não quer dizer que estejam todas até porque há manutenções constantes a fazer e surgem outras obras. Os Governos vão criando oportunidades que nós vamos aproveitando e foi isso que fizemos. Se me perguntassem agora o que é que eu iria fazer, a prioridade seria sem dúvida, reunir com o Governo para podermos incluir o concelho da Sertã no Plano Ferroviário Nacional para ligar Espanha à Figueira da Foz, passando paralelamente ao IC8. Isso é fundamental e está a ser feito agora. Agora é a oportunidade de conversar para que isso aconteça.

RC – É um recado que está a deixar?
JFN – Não sou ninguém para deixar recados. É bom lembrar pois quem chega de novo, às vezes nem sabe o que está a acontecer. Mas é uma oportunidade os poderes central e local falarem e a mesma cor política pode ajudar. Pode não parecer mas esta ligação Espanha - Figueira da Foz é importante para esta região toda. E não nos podemos esquecer da conclusão do IC8. É uma reunião de extrema importância. Também a EN238 (foto) é importante mas não será fácil nestes próximos tempos.

RC – É uma pedra que leva no sapato?
JFN – Sim é uma pedra. Não se conseguiu. A saída poderia ter sido a concessão do Pinhal Interior.

RC – Quando se anunciou a concessão houve muita esperança?
JFN – Sim, e pensei mesmo que ia conseguir resolver o problema mas não houve o entendimento da estrada passar fora das localidades. A primeira reunião que tive fora, e que foi em Almada, foi por causa da EN238 e quando me despedi, o que me disseram foi: entendam-se primeiro e depois voltem cá. A estrada teria que ter circulares à volta das localidades e se todos estivessem de acordo ela já tinha sido feita, mas estou convencido que terá uma solução.
Mas teve a vantagem de passar de regional a nacional novamente. Imagine-se se a Ponte do Vale da Ursa fosse da responsabilidade da Câmara. A sua conservação estaria às custas da câmara e isso teria custos enormes e foi bom ter passado para estrada nacional.

RC – Atualmente a solução pode passar por ser a Comunidade Intermunicipal do Médio Tejo (CIM do Médio Tejo) a fazê-la e depois ser o Governo a pagar?
JFN – A questão é o valor máximo que o Governo dá para uma estrada, ou seja, três milhões de euros e assim não se consegue ultrapassar um problema que precisa de 12 a 15 milhões de euros para ser resolvido, a não ser que seja por fases. Três milhões dariam para resolver a parte da Sertã mas depois ficava a parte do concelho de Ferreira do Zêzere e continuávamos com o problema mas, talvez tenha que ser assim.

RC – Outra pasta controversa foi a integração do concelho da Sertã na CIM do Médio Tejo. Houve quem defendesse outra solução. Tomada a decisão, esta foi uma integração natural?
JFN – Foi extremamente importante. Devemos ter objetivos, ser competitivos e sê-lo onde não há muito a competir não seria a melhor solução. Temos que nos comparar a vários concelhos mais desenvolvidos, querer e tentar lá chegar. Penso que foi uma boa solução e para bem do desenvolvimento do concelho da Sertã.

RC – Ultimamente há colegas a convidar a Sertã e Vila de Rei para integrarem a CIM da Beira Baixa. O que pensa sobre isso?
JFN – Não há vantagens. O que se falou sempre foi o distrito de Castelo Branco juntar-se na Comunidade da Beira Baixa, mas acho impossível juntar os Municípios todos do distrito de Castelo Branco porque há grandes rivalidades entre eles e não vejo que seja possível, pelo menos atendendo a como as coisas têm funcionado até agora.

RC – Os incêndios foram também um assunto complicado de gerir?
JFN – Sem dúvida. Os piores assuntos foram os grandes incêndios e a Covid-19. Mas quanto aos incêndios, percebia-se que não eram de causa natural pois havia muitas coincidências.

RC – Estes dois problemas foram momentos chave na sua governação?
JFN – Sim, porque nos obrigam a investir, e de um momento para o outro, sem estar a planear. De um momento para o outro temos que encontrar a melhor solução para o que vai acontecendo. Quando há incêndios e tornados, como também aconteceu, também foi difícil.

RC – O que sentiu nessa altura? Chegou a sentir-se perdido?
JFN – Geralmente tenho um certo sangue frio pois temos que ser realistas e ter os pés assentes no chão. A Proteção Civil também funcionou sempre muito bem e tem gente em todas as áreas, seja na saúde, na educação, nas forças de segurança, ação social. E isso faz com que as coisas sejam mais fáceis pois há sempre alguém, de algum serviço, a ajudar a resolver um problema.

RC – Também foi preciso sangue frio para ir acompanhando os desenvolvimentos da Covid-19?
JFN – Sim. É fundamental e indispensável. A Covid-19 veio trazer muitos problemas, tanto a nível nacional como mundial e local. Não estávamos à espera e parecia que ia demorar pouco tempo mas demorou muito e ainda não acabou. São custos que não se esperavam e em termos de investimento parou, não completamente mas muito. As empresas não concorriam, tivemos concursos públicos que ficaram desertos três vezes e isto prejudica. Há fundos a que temos direito e que têm prazos.

RC – Os apoios concedidos às empresas neste período de tempo de pandemia foram os suficientes para manter as empresas de porta aberta?
JFN – Felizmente temos empresas sólidas no concelho que funcionam muito bem, caso contrário teriam fechado com esta pandemia. As empresas que temos não são muitas mas as que existem estão bem estruturadas e dirigidas e conseguem ultrapassar todos esses problemas.

RC – Temeu pelo pior quando se começou a falar em se fechar tudo?
JFN – Pensei que ia correr mais mal, mesmo em termos nacionais, mas a saúde fez um trabalho muito bom, caso contrário teria havido um descontrolo total. Os hospitais centrais estavam superlotados e se piorasse e os serviços de saúde não dessem resposta seria um caos mas o trabalho foi bem feito.

RC – A pandemia veio colocar a nu muitas carências sociais. Como foi na Sertã e como é que a câmara fez a gestão de apoio?
JFN – A câmara tem sinalizados todos os problemas sociais e quando é assim, as pessoas são facilmente contactáveis e isso fez com que dessemos resposta aos casos mais urgentes. Não temos assim tantos casos como isso. Quando chegámos havia muito mais pessoas a receber o Rendimento Social de Inserção (RSI) do que agora.

RC – De acordo com os Censos 2021, em dez anos o concelho perdeu população. Não tanto como os concelhos vizinhos, mas ainda assim, uma perda considerável?
JFN – Parece uma perda grande mas no fundo as pessoas que vivem no concelho são mais ou menos as mesmas (cerca de 15 mil), no entanto têm as moradas na grande Lisboa, porque têm interesse. Mas é aqui que vivem. Enquanto a política de natalidade no país não mudar, não se conseguem inverter estes números. Não é com o caso isolado de uma câmara que apoia mais quando nasce uma criança que se consegue resolver o problema. É com a atualização do ordenado mínimo e com medidas de fundo nacionais. Um casal que receba 500 euros por cada bebé que nasce não terá mais filhos por isso. O que poderá resolver é a imigração. Temos que chamar pessoas de outros países e aqui já temos cerca de 600 pessoas.

RC - Que já estão com morada sertaginense?
JFN - Sim. Até porque se não estivessem legalizados teríamos menos população.

RC – A criação de emprego e atração de empresas é um aspeto apontado para atrair pessoas. Sentiu necessidade de andar a bater a algumas portas para atrair empresas para o concelho?
JFN – O concelho da Sertã não tem essa necessidade. A nossa centralidade faz com que as empresas se instalem aqui.

RC – Nos últimos tempos assistiu-se à vinda de grandes superfícies comerciais para o concelho. No seu entender aconteceu porquê?
JFN – As grandes superfícies fazem um estudo de mercado e se veem que há clientes instalam-se. Quando chegam apresentam o projeto concluído. Não temos como indeferir um pedido desses e penso que este processo de instalação de grandes superfícies seja para continuar pois sabem que têm clientes. Tenho conhecimento que há pretensões por causa dos terrenos. Pedem-me para indicar onde há terrenos para se instalarem, mas não somos nós que os chamamos. Esta centralidade mostra bem o desenvolvimento económico do concelho da Sertã.

RC – Quais foram as pastas que mais gostou de trabalhar?
JFN – À exceção destes problemas acidentais, a maior parte das pastas. Tudo foi feito de uma forma natural e fácil. Sou positivo por natureza e não há processos difíceis. Sei que tenho que decidir contra uns e a favor de outros mas normalmente, desde que passe uma noite, está decidido.

RC – Qual foi a obra que mais gostou de concretizar?
JFN – As obras completam-se umas às outras e aqui o nosso objetivo foi sempre elevar a Sertã a cidade. Vai ser apresentado um diploma na Assembleia da República e se for aprovado tal como está, a Sertã tem condições para ser elevada a cidade. A seguir, o investimento era em Cernache do Bonjardim e depois em Pedrógão Pequeno. Ou seja, esta década era para a elevação da Sertã a cidade e as seguintes para a elevação de Cernache e a de Pedrógão Pequeno à mesma condição, respetivamente.

RC – E quanto à criação do Comando Sub-Regional da Proteção Civil na Sertã. Era um sonho que já vinha acalentando?
JFN – Sim. Até porque já cá esteve e assim, vir para aqui, justifica-se perfeitamente.

RC – Foi também uma forma de “acorrentar” este concelho ao Médio Tejo.
JFN – Sobre isso gostava de dizer que se pertencêssemos à Comunidade Intermunicipal da Beira Baixa, o Comando Sub-Regional não seria na Sertã. Isto foi um exemplo de que estamos bem onde estamos.

RC – No turismo, a Sertã está na Rota da EN2. É um bom legado que deixam?
JFN – A EN2 é dos melhores projetos que temos em termos de animar a atividade económica local. Veio aumentar essa atividade. Quando tomei conhecimento deste projeto através do presidente da câmara de Santa Marta de Penaguião, achei-o interessante pois atravessa o país de norte a sul.

RC – E sobre o turismo religioso em Cernache do Bonjardim?
JFN – O protocolo que foi celebrado com a Sociedade Missionária da Boa Nova (SMBN) é indispensável para desenvolvermos o turismo religioso que, se for bem organizado, terá muito sucesso. Cernache tem muitas condições para se desenvolver em todas as áreas, principalmente no turismo.

RC – Várias vezes a presidente da União de Freguesias de Cernache do Bonjardim, Nesperal e Palhais, Filomena Bernardo, disse que, ao nível do turismo religioso, se perdeu a primeira carruagem (canonização de S. Nuno de Santa Maria). Concorda? O que falhou para que não se tivesse avançado?
JFN – Nós entendemos sempre que era indispensável o protocolo entre o SMBN, a câmara e a junta. Foi celebrado há pouco tempo e a partir daqui, estou convencido que se começará a desenvolver. Abriu-se uma porta muito importante. Cernache tem muitas condições para se desenvolver ao nível do turismo e temos também a Foz da Sertã (hotel) que dentro de pouco tempo criará muito emprego. Há um projeto feito, praticamente concluído que depois será entregue na câmara para aprovação. Isso faz com que aquele local seja um local movimentado. É a empresa que comprou o hotel que vai desenvolver o projeto. Esta união de freguesias será a que vai crescer mais.

RC – Como avalia os últimos resultados eleitorais no concelho?
JFN – Eu concordo sempre com os resultados eleitorais. De todas as candidaturas, as pessoas escolhem quem acham que vai fazer um bom trabalho. Não foi um desastre para o PSD pois teve mais que de 40 % de eleitorado. Estou convencido que a diminuição da UFCBNP se deve ao candidato do PS que trabalhou muitos anos no Instituto Vaz Serra, que contactou com muitos jovens ao longo de todos aqueles anos e com os familiares dos jovens.

RC – Mas as pessoas conseguem distinguir quem é o candidato à câmara e quem é o candidato à junta? Carlos Miranda não era candidato à junta.
JFN – Sim. Recordo-me que quando fui candidato à Assembleia Municipal, ganhámos para a AM e perdemos para a câmara. Temos que ver e interpretar tudo o que acontece. Ler os números é importante para depois não cometermos os mesmos erros e para mudar o que é necessário mudar.

RC – Mas os resultados de Cernache do Bonjardim surpreenderam-no?
JFN – Acompanhei todas as campanhas e a do PSD foi muito empenhada e bem trabalhada e estão de parabéns. Missão cumprida da parte do PSD. A decisão é outra coisa.

RC – O facto de se apontar que não houve obra em Cernache fez com que tivesse havido desvio de votos?
JFN – Sabemos perfeitamente que o desvio de votos não se deveu a obras porque elas existiram, quer no desporto, na requalificação de estradas, no Trízio com a abertura da circular ou no IVS. O investimento que fizemos nos alunos sem convenção com o Ministério da Educação foi uma das grandes obras para que Cernache não perdesse atividade económica. Estamos a falar de muitas centenas de milhares de euros.

RC – Já reuniu com o seu sucessor?
JFN – Sim, duas vezes. Faz parte. Esta transição tem sido uma surpresa. Não digo uma grande surpresa porque já nos conhecíamos há muito e portanto estava à espera de uma transição pacífica.

RC – Sente motivação da parte de Carlos Miranda?
JFN – Sim. As conversas que temos tido são no sentido de continuar projetos que, de alguma forma, estão pendentes.

RC – O que vai fazer agora?
JFN – Tenho muita coisa para fazer. Para já dedicar-me à vida particular que está suspensa desde 2009 e há que recuperar bastante.

RC – Não vai continuar a andar por aí?
JFN - Andarei sempre mas não em termos políticos.

Esta entrevista está disponível em Podcast. Para escutar aqui

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