
A iniciativa de criar a Associação de Municípios da Rota da Estrada Nacional 2, e de valorizar esta estrada que liga Chaves a Faro enquanto projeto turístico, coube, há cinco ou seis anos, ao Dr. Luís Machado, presidente da câmara municipal de Santa Marta de Penaguião. A ideia terá sido inspirada pelo movimento turístico da mítica Route 66 que cruza os Estados Unidos da América, de Este a Oeste, num total de quase 4000 quilómetros. A Sertã aderiu, e bem, ao projeto, à semelhança dos outros 32 municípios atravessados pela estrada. Portanto a Nacional 2 é um bem que partilhamos com outros 32 municípios.
O desenvolvimento do turismo no concelho, não pode reduzir-se à Estrada Nacional 2, e a esperar passivamente o que esta estrada nos traz. Mas é inegável que o projeto de valorização da Estrada Nacional 2 tem um grande potencial. É preciso, todavia, saber tirar partido desta estrada. É sempre importante que passem pessoas pelo concelho porque algumas acabam por fazer por cá alguma despesa, mas temos de tirar mais proveito deste projeto.
Não se confunda turismo com pessoas a passar. Não basta os viajantes passarem. É preciso que contribuam para a economia local. Se assim não for, a passagem de viajantes só serve para criar a ilusão de que temos turismo, quando na verdade, não temos.
Num recente boletim municipal, a câmara noticiava na capa: “Nacional 2: estrada atrai milhares à Sertã”. E nas páginas interiores: “Mais de 50000 pessoas visitaram a Sertã através da EN2.” Um órgão de comunicação social foi mais longe ao escrever em título: “Rota da EN2 trouxe à Sertã mais de 50000 turistas”. 50000 turistas? Afinal, o que é um turista?A definição técnica de turista, de acordo com as autoridades na matéria, e de acordo com o Decreto-Lei nº 191/2009 de 17 de agosto, que estabelece as bases das políticas públicas do turismo em Portugal, diz que o turista é “a pessoa que passa pelo menos uma noite num local que não seja o da residência habitual e a sua deslocação não tenha como motivação o exercício de atividade profissional remunerada no local visitado”. Ora a Nacional 2 não trouxe 50000 turistas à Sertã. Quando muito, terão passado 50000 pessoas pela Nacional 2, na Sertã e nos restantes concelhos, na sua viagem de chaves a Faro. Mas quantas pararam? Quantas ficaram? Quanto gastaram? Quantas foram efetivamente turistas? Não sabemos.
De resto, no setor do turismo, como noutros, estamos reduzidos ao mais puro amadorismo. Estamos reduzidos ao “achismo”. Achamos que temos turismo. Mas o que sabemos sobre o turismo que temos? Quem nos visita? Quanto tempo fica? Quanto gasta? Do que gosta? Do que não gosta? O que seria necessário para ficar mais tempo? O que seria necessário para atrair pessoas que ainda não vêm à Sertã? E, em função das respostas a estas questões, a pergunta decisiva: quais são os investimentos prioritários para atrair mais turistas e para os reter por mais tempo?
Já afirmei em reuniões de câmara a necessidade de se criar um parque decente na vila da Sertã para receber as pessoas em viagem pela Nacional 2, sobretudo em autocaravanas e motos. Um parque onde os viajantes possam ser acolhidos por um técnico de turismo do município, pelo menos na época alta, onde se possam reabastecer, descansar, e, sobretudo, onde possam ter informação turística pertinente sobre o concelho, de forma a prolongar a sua estadia. O parque de autocaravanas atualmente anunciado na Sertã, à beira da Nacional 2, é um estacionamento e pouco mais.
A Sertã tem argumentos para atrair turistas. Estes argumentos prendem-se sobretudo com as albufeiras, a natureza, as (poucas) atividades tradicionais sobreviventes e que precisavam de ser estimuladas, a gastronomia.
Os empresários da Sertã têm estado à altura deste desafio, mas há muito por fazer por parte da Câmara. Apresento alguns exemplos:
- As rotas e trilhos pedestres estão intransitáveis. (É fácil abrir os caminhos, difícil é mantê-los e dinamizá-los). Veja-se o estado de abandono confrangedor da Grande Rota do Zêzere.
- A Sertã não tem uma ciclovia.
- A Sertã não tem um parque de campismo.
- A Sertã não tem um museu.
- O castelo da Sertã é um lugar fantasma, onde nada há para ver e onde raramente acontece alguma coisa.
- A zona histórica da Sertã está degradada e não tem animação.
- O Seminário das Missões de Cernache do Bonjardim está fechado.
- O turismo religioso ou histórico, à volta da figura de Nuno Álvares Pereira, é uma miragem.
- Pedrógão pequeno pertence à rede das “aldeias de xisto”, mas esta circunstância tem sido uma oportunidade perdida. Não há atividades, ao contrário do que se passa noutras povoações desta rede. O município da Sertã limita-se a pagar a sua quota anual para a Associação das Aldeias de Xisto mas depois nada se passa nesta vila que tenha relação com este projeto.
- Falta sinalética turística coerente e apelativa um pouco por todo o lado.
- As romarias da Sertã não têm o apoio necessário do município para terem a projeção nacional que a sua tradição justifica.
- As praias fluviais não têm o aproveitamento que merecem, e não se aproveita as albufeiras. Nas praias falta, inclusivamente, segurança. Nem todas são vigiadas.
- Falta efetiva proteção dos recursos naturais, nomeadamente da qualidade da água nas ribeiras.
- Falta organização atempada e devidamente calendarizada de pequenos eventos apelativos, sobretudo em épocas baixas.
- Falta divulgação da Sertã. A Câmara Municipal da Sertã deve disponibilizar, ou ajudar os pequenos empresários a disponibilizar, conteúdos de qualidade nas principais plataformas do mercado turístico (TripAdvisor, Google maps e outras).
Não podemos ser apenas mais um concelho da Estrada Nacional 2. Temos de ser local de paragem obrigatória e de permanência. Se não resolvermos rapidamente estes problemas, arriscamo-nos a ficar a ver passar os turistas para outras paragens.