
No princípio do século era a principal via de comunicação da Zona do Pinhal Norte para Lisboa, tendo perdido a sua importância devido a melhoramentos e à construção de outras vias alternativas.
Depois vieram as decisões políticas, que vou tentar relembrar e demonstrar que quando tinham que decidir, os poderes instalados, nunca deliberaram a favor da ligação que beneficiava mais Cernache do Bonjardim (EN238).
A primeira decisão que nos prejudicou foi a construção do IC8. Nessa época, uma das propostas de itinerário seria: passar o IC8 pela Sertã – Cernache do Bonjardim – Figueiró dos Vinhos e não por Pedrogão Grande. Por influências políticas, lá se alterou o itinerário. Continuava a passar pela Sertã e fazia um desvio enorme para entrar no concelho de Pedrogão Grande junto à barragem do Cabril.
Essa decisão implicou fazer um viaduto que custou largas centenas de milhares aos cofres do estado, já que as vibrações derivadas do tráfego rodoviário (efeito diapasão), provocariam estragos severos na estrutura da barragem, em pouco tempo. Como foi uma decisão meramente politica, foi necessário iniciar o projecto do grande viaduto que agora temos.
Como contrapartida deste itinerário, que apesar de tudo até passava pela vila da Sertã, aceitaram o financiamento de novo tapete desde o Vale da Ursa a Cernache do Bonjardim, com o corte de 2 ou 3 curvas.E foi a última vez que o estado melhorou a EN238, já la vão mais de 25 anos.
Mas há mais
Quando elaboraram o Plano Rodoviário Nacional (PRN), decidiram que a principal ligação da Zona do Pinhal para Tomar, seria uma via a construir entre Vila de Rei e Ferreira do Zêzere, que implicou a construção de uma ponte sobre o Rio Zêzere. Mais uma vez Cernache foi prejudicada.
Duas decisões puramente politicas que apenas serviram para satisfazer o ego de algumas pessoas, mas que agora verificamos não resultarem em qualquer melhoria nas acessibilidades.
A EN238, no troço que liga Cernache do Bonjardim a Tomar, continua portanto, apesar destas decisões, a ser percorrida diariamente por centenas de veículos, em movimentos diários de extrema importância para o comércio local, transporte rodoviário de passageiros, para o sector do turismo e continua a contribuir para minorar as desvantagens da interioridade.
Com a diminuição do tempo de deslocação conseguido com a sua reclassificação a melhoria económica não se limitava apenas a esta região mas a toda a Beira Interior.
Em 2011 escrevi nas paginas da “A Comarcada da Sertã” que “com a introdução de portagens na A23, haverá a natural procura de vias alternativas para efectuar a ligação da Beira Interior com o litoral, já que as quantias a pagar serão no futuro incomportáveis.”
É reconhecido que actualmente existe uma enorme procura de vias alternativas, sem pagamento de portagens, pelas razões que já em 2011 apontei, ainda que à custa de sacrifícios e perigos vários, uma vez que as características dos veículos modernos não se coadunam com o perfil da rodovia em apreço.
Muito do movimento comercial do litoral para Espanha é efectuado por vias de comunicação sem portagens. Isso nota-se claramente no aumento exponencial do trafego automóvel no IC8.
Pudemos verificar bem o tráfego que existe no IC8, quando recentemente, devido a um acidente, tiveram que desviar o trânsito do IC8 pela vila da Sertã … sim, foi um dia de trânsito caótico!
Por isso, e por todos os motivos apontados há décadas, a requalificação desta estrada é imperiosa ou todo o discurso político de quem nos tem governado até agora não passa duma farsa e até mesmo dum cinismo deslavado.
Em 2011 tivemos um espectáculo circense no Salão Nobre do Município da Sertã, onde um secretário de Estado (por sinal muito bem acompanhado) anunciou a concessão das estradas do pinhal a um consórcio privado. Das promessas então feitas, nada se aproveitou. Nada se viu, a não ser o espectáculo.
No caderno de encargos desta parceria público-privada (as célebres PPP) estava previsto, entre outras alíneas, que este consórcio privado se comprometia a reduzir em 15 minutos a duração da viagem entre Sertã e Tomar.
Nunca foi cumprida esta condição. Aliás a única despesa que efectuaram foi na compra de meia dúzia de placas com o telefone e o anúncio da concessionária e, de vez em quando, a circulação de uma carrinha dessa empresa.
Em 2014, o troço entre Cernache do Bonjardim e Ferreira do Zêzere foi afectado pelo desmoronamento de uma barreira, interrompendo a circulação rodoviária durante cerca de dois meses. A consequente interrupção da via causou um enorme transtorno aos seus utilizadores, com particular incidência no comércio e nas pequenas e médias empresas locais.
Com o fim dos apoios comunitários para a construção de estradas como havia nos anos 90, não é fácil conseguir verbas da União Europeia (EU). A Comissão Europeia considera que o investimento em infra-estruturas rodoviárias não é prioritário para o país, que deve concentrar-se em usar a última injecção de dinheiro europeu em projectos que criem maior impacto na economia regional. A prioridade para a Europa são projectos de economia verde e digital, investigação e desenvolvimento, apoio às PME e programas de criação de emprego.
Existiram algumas possibilidades.
A esperança de muitos autarcas do Norte e Centro, que contavam que Portugal conseguisse negociar com Bruxelas a alocação de fundos à construção e beneficiação de várias rodovias, era o que chamavam “a last mile”.
A “last mile” fazia sentido. Havendo algumas estradas importantes na qual faltava concluir uma ligação de pequena dimensão entre elas, a UE contribuía com verbas para concluir essa “última milha” ou quilómetros.
Como a EN238 é uma estrada que iria ligar o IC8 à A13 poderia ser considerada a hipótese de constituir uma estrada abrangida por este programa da UE.
Acho que nunca foi sequer colocada essa questão formalmente.
E presentemente?
Na Assembleia da República foi aprovado por unanimidade dos partidos políticos, a Resolução da Assembleia da República n.º 163/2016, de 20 de Julho, que recomenda ao Governo a requalificação urgente da EN238, no troço entre Cernache do Bonjardim e Ferreira do Zêzere, de forma a garantir condições de segurança e a redução dos tempos de deslocação despendidos pelas pessoas e empresas que utilizam esta estrada.
Por sua vez, o Governo já anunciou a intenção de valorizar os territórios do interior do país. O Conselho de Ministros apresentou a missão e o estatuto da Unidade de Missão para a Valorização do Interior, anunciou ser propósito desta Unidade, “criar, implementar e supervisionar um programa para a coesão territorial, promovendo medidas de desenvolvimento do interior”.
A requalificação da EN238 cabe perfeitamente nesta lógica de valorização do território e está em linha com as intenções anunciadas pelo Governo. E afigura-se-nos como da maior justiça que esta requalificação se inicie o mais rapidamente possível. Reconheço a existência de um senão: “os votos arrecadados são escassos e a justiça, ou a falta dela, não provoca pesos de consciência a quem nos governa”.
Em 2016 o Município da Sertã anunciou que foi apresentado ao Governo um pedido de 12 milhões de euros para corte de curvas, construção de um viaduto e três ou quatro quilómetros de estrada nova. Claro que nunca soubemos resposta deste pedido.
Afirmei em reuniões do executivo municipal que dificilmente o Estado Central vai realizar esta obra, pelo que seria necessário equacionar a possibilidade de o Município sertaginense executar esta requalificação por fases, mesmo que isso dure vários anos.
Acredito que, com alguma persistência e dedicação, se consegue obter a necessária verba do Estado para ajudar nesta requalificação. Insisto na persistência.
Será incompreensível que a estas populações, já tão despojadas de serviços públicos, serviços de proximidade e oportunidades de emprego, continuem negadas, por muito mais tempo, a vias de comunicação seguras, rápidas e promotoras do desenvolvimento.
Considero que este tema tem de sair dos panfletos partidários, que em cada eleição é promessa obrigatória, e tomarmos atitudes firmes de modo a conseguir obter a requalificação da EN238.