CERNACHE DO BONJARDIM: Estudo revela perfil climático da região no último século

No estudo, Nuno P. Leitão compilou e tratou uma gigantesca série de dados, extraídos de diversas plataformas.

CERNACHE DO BONJARDIM: Estudo revela perfil climático da região no último século

O geógrafo Nuno P. Leitão traçou o perfil climático da região de Cernache do Bonjardim no último século (1916-2021). Este trabalho inédito compreende um conjunto de dados bastante relevantes, como é o caso desta região apresentar uma precipitação média de 1064 litros de chuva por m2 e de sete dos dez anos mais secos terem acontecido nas duas últimas décadas, uma conclusão que parece dar força às consequências das alterações climáticas.
No estudo, Nuno P. Leitão compilou e tratou uma gigantesca série de dados, extraídos de diversas plataformas.

A conversa com Nuno P. Leitão sobre esta temática para escutar no Podcast disponível (AQUI

Pode consultar o estudo completo sobre o referido perfil climático (AQUI)

Com raízes no território da União de Freguesias de Cernache do Bonjardim, Nesperal e Palhais, o geógrafo recorda que os pais cresceram entre as décadas de 1950 e 1960 e experienciaram durante a sua juventude o período de maior precipitação e mais longo dos últimos 105 anos. Para se ter uma ideia, entre outubro de 1957 e setembro de 1964 registaram-se, por ano, mais 396 litros de chuva por m2 do que a média de Cernache do Bonjardim (1064 litros). Nuno P. Leitão acredita que “se eles tivessem nascido uma década antes ou uma década depois, talvez as suas memórias fossem diferentes. Por outro lado, alguns anos das décadas de 1950 e 1960 foram muito frios. Recorde-se uma onda de muito frio que varreu Portugal em fevereiro de 1956 e que fez baixar as temperaturas para valores extremos”.
Deste modo, e atendendo a estas raízes familiares, o geógrafo quis conduzir este trabalho para um patamar mais ambicioso e produzir um estudo que sistematizasse todo o conhecimento entretanto reunido. E algumas das conclusões são surpreendentes, ou seja, a precipitação média na região de Cernache do Bonjardim, ao longo dos 105 anos analisados, foi em média de 1064 litros de chuva por m2. O período de maior precipitação ocorre entre os meses de outubro e abril (82% do total) e praticamente todos os episódios de precipitação extrema se relacionaram com episódios muito particulares (por exemplo o ciclone de fevereiro de 1941) e, frequentemente com cheias e inundações na bacia hidrográfica do Tejo.

De acordo com o investigador, a ausência de precipitação é uma situação cada vez mais habitual: “O ano hidrológico mais seco dos últimos 105 anos foi 2004/05, com um total de 451 litros de chuva por m2, isto é, -613 litros do que a precipitação média anual. Infelizmente sete dos dez anos mais secos distribuem-se pelas duas últimas décadas, o que nos deve preocupar a todos. Por outro lado, nenhum dos 10 anos mais chuvosos dos últimos 105 anos ocorreu nas últimas duas décadas”.
As consequências das alterações climáticas podem estar a evidenciar-se neste aspeto em particular, até porque é “possível falar de decréscimo de precipitação, sobretudo a partir da década de 1980, e [o problema] acentua-se a partir da década de 2000 – nos últimos 30 anos registaram-se apenas, e por ano, 894 litros de chuva por m2. Paralelamente há uma diminuição muito significativa da precipitação no final do inverno e na primavera, compensada, ainda que não completamente, por um aumento da precipitação no outono, especialmente em outubro”, constata o geógrafo Nuno P. Leitão.
Outra das conclusões deste estudo indica que, a cada dez anos, é possível observar a ocorrência de um ano muito chuvoso, três anos chuvosos, quatro anos secos e dois anos muito secos. Esporadicamente, isto é, de 50 em 50 anos ocorre um ano extremamente chuvoso.
Quanto à temperatura, observou-se, na região de Cernache do Bonjardim, uma média anual de 14,2°C e uma amplitude de 13,5°C, nos últimos 82 anos, nota o autor do estudo, aludindo ao facto de janeiro de 1945 ter sido o mês mais frio de sempre, com uma temperatura média mensal de apenas 5,4°C, seguido por dezembro de 1970 (5,4°C) e por janeiro de 1957 (5,6°C). Outro dado bastante pertinente prende-se com o mês de janeiro de 1985, a última vez que um registo de temperatura média mensal entrou para o ranking das 10 temperaturas mensais mais baixas de sempre.
Nuno P. Leitão dramatiza o discurso quando refere que, “nas últimas três décadas, parecem observar-se mais anos hidrológicos com temperaturas acima da média, isto é, observaram-se 19 anos com temperaturas superiores a 14,2°C e apenas 11 anos com temperaturas inferiores (nos últimos sete anos hidrológicos registaram-se, sempre temperaturas acima da média). As temperaturas mensais parecem subir em conjunto sugerindo uma evolução positiva das respetivas médias, no entanto são os meses mais frios que maiores subidas registam, particularmente dezembro e janeiro”.
As conclusões deste estudo inédito fornecem pistas importantes para o futuro do próprio território, conforme sublinha Nuno P. Leitão: “A aparente diminuição da precipitação e o aumento da temperatura forçam novas interrogações e desafios, bem como maiores dificuldades para as espécies animais e vegetais se adaptarem. No caso de Cernache do Bonjardim, bem como dos territórios circundantes, é importante repensar a ocupação agrícola, mas sobretudo silvícola, atendendo, por um lado à evolução do comportamento do clima, e por outro à já frágil realidade geomorfológica (solos pobres e declives acentuados) coadjuvada com incêndios florestais frequentes”.

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