
No dia 15 de outubro perto da hora de almoço, o lume sentou-se à mesa e devorou quase todo o sustento da família de Álvaro. “Foi uma coisa impressionante. Não tem explicação”, começa por recuar. Nesse domingo “estávamos por cá mas não houve tempo para nada” e sem esse tempo e com o vento como segundo inimigo “ficámos sem o estábulo da palha. Quanta palha cá havia.. foi toda”, aponta, lembrando também os terrenos e outros bens que as chamas consumiram.
As cabras ficaram assim sem a palha que as iria alimentar nos meses seguintes, mas o pior foi mesmo o fumo que lhes invadiu os pulmões e, como se de uma morte lenta se tratasse, sete meses depois ainda continuam a morrer animais. “Já me morreram mais de 50. Vão morrendo a pouco e pouco, chegando-se a pontos de ter que renovar o rebanho quase todo”, lamenta o pastor, pressentindo que “aí umas 20 ainda irão morrer. Começam a ficar fracas e a fazer roufinheira”, confirma.
Álvaro reconstrói agora o barracão da palha. O que as chamas devoraram “está ali tudo num monte”, aponta na direção de um amontoado de ferro. Lá guardava mais de 12 mil euros de comida para as 180 cabras que estavam no barracão contíguo, cujas chamas os bombeiros conseguiram conter. “Foram lá, molharam as cabras e o curral e conseguiram”, mas já não conseguiram salvar o sítio da palha pois “tiveram que fugir ali para perto da casa. O fumo baixou, as chamas queimaram-lhes as mangueiras e eles não conseguiram fazer mais nadinha”, relembra "e depois tiveram que ir acudir a outros lados", descreve.
O “terror” demorou 10 a 15 minutos. Álvaro e os seus temeram pela vida, “tanto que fugi para casa e desmaei. Chamaram o INEM mas ninguém passava”, diz, recordando momentos que a sua própria mente quis apagar. Depois de ter sucumbido às forças, Álvaro reanimou e ganhou outras forças porque “custa ver tudo no chão, tudo o que construímos com tanto trabalho”. Fez um projeto para a reconstrução do pavilhão, o qual foi aprovado. Por enquanto é a custas próprias que o trabalho vai avançando, mas espera ser ressarcido das despesas o mais depressa possível, até porque “isto não há quem aguente” já que o negócio e o maneio não eram muito grandes. Na ocasião a câmara ajudou, com disponibilização de fardos de palha e de ração e a Junta de Freguesia da Sertã com a cedência de um gerador para a ordenha.
Os campos começam agora a ganhar outras cores e o pasto despontou com os raios de sol, mas até que isso não aconteceu, Álvaro teve que comprar sete mil euros de alimento e “esse dinheiro ninguém mo devolve”. “Eu tinha terreno semeado com produção que dava para as governar até maio ou junho mas ardeu tudo e eu tive que investir”, contextualiza, caso contrário “ou vendia o rebanho ao desbarato para corte, ou tinha que comprar palha para as governar”. Optou por “ir lutando”, mesmo quando a “vontade não é muita”. "É preciso gostar muito e isto é o meu bem”, diz sem esquecer a tristeza que é “levantar de manhã e ver isto tudo aqui à volta queimado e negro”.
Do rebanho retira o rendimento dos cabritos e do leite que vende para uma queijaria e para uma cooperativa. É assim o pastoreio que lhe ampara os dias e é esta a atividade que lhe preenche as medidas. São estes os animais que também dão sentido à sua vida.
As chamas levaram o verde, o sustento dos animais e, por momentos, a força anímica que suportava o corpo de Álvaro Ribeiro, mas jamais levarão o motivo pelo qual se continua a viver e a lutar em Ribeiro do Vilar.