
Foram várias as pessoas que escreveram e imortalizaram, em papel e em imagens, os seus sentimentos ao percorrer a Estrada Nacional 2 (EN2), bem como a sua consequente passagem pela Sertã. Por isso, nesta viagem pela EN2, estacionamos hoje nas pessoas que o fizeram.
“A estrada tem que ser de quem goste dela”
O ultramaratonista João Paulo Félix já fez o percurso duas vezes a correr e três de bicicleta. A primeira vez foi em 2017 e foi o fascínio de atravessar o país a correr que o motivou. “A aproximação que se tem com os sítios, com as paisagens, com as pessoas e o sentimento de atravessar o país é realmente fantástico”, definiu. Este ano fez o trajeto de Faro a Chaves integrado na Volta a Portugal a Correr. Por ter sido o primeiro a fazê-lo a correr foi “uma alegria enorme porque através da corrida eu consegui mostrar a estrada e, na altura nas redes sociais e na imprensa, deram destaque a este feito”. Também por este motivo não renega o título de embaixador da EN2. “A corrida também aproxima e divulga e pode ser um excelente cartão de visita para mostrar aquilo que se faz nestes territórios e isso desenvolve o comércio. Pela imagem que as pessoas levam dos sítios, futuramente alguns deles irão voltar. Isso é uma mais-valia acrescida”, nota.
João Paulo Félix não fez esta estrada a passeio, mas no meio do que considera ser um trabalho, e nas paragens de fim de dia, aproveitou para conhecer o que tinha ao seu redor, ou seja “uma diferença enorme nas paisagens nestas zonas todas que vamos passando. Também as próprias pessoas são diferentes, o seu sotaque, mas todas integradoras e isso é uma riqueza”, conclui.
A maior dificuldade e perigo deste percurso tem a ver com o trânsito e, em muitos casos a falta de bermas para se percorrer a via. Em muitos locais serão necessárias reparações e em toda ela uma uniformização das indicações, salvaguarda o ultramaratonista.
Esta é uma via com um potencial interminável. Este ano de 2020, muito por causa do contexto de pandemia, os portugueses não saíram de portas e, no seu país, descobriram e redescobriram um sem número de ofertas turísticas valiosas. João Paulo Félix considera esta estrada um fenómeno curioso pois, “foram as características físicas e a profundidade da estrada que veio oferecer um conjunto de interesses e não ao contrário e portanto nós tivemos quase um milagre. A estrada apareceu, de um momento para o outros e as pessoas começaram a vir”, diz. Agora, o sucesso futuro depende, no entender do ultramaratonista, do investimento e dinamização que forem feitos. “Temos que aproveitá-los no momento indicado, porque foi ela que empurrou este dinamismo e não ao contrário”, nota, dando os parabéns a quem tem a iniciativa de dar a conhecer esta estrada. “A informação, a consolidação dos sentimentos do gostar da estrada porque simbolicamente ela atravessa o país de norte a sul e esse simbolismo é muito forte. Temos aqui tudo para poder continuar. "A estrada tem que ser de quem goste dela”, finaliza.
O mais belo caminho, onde se conhece Portugal
Em 2020, Afonso Reis Cabral, escritor e protagonista de um filme sobre a mesma decidiu, por instinto, fazer esta peregrinação de 739 km, e fê-los a pé. Fê-lo durante 24 dias, pela via e por dentro de si próprio. O que inicialmente seria um ato único, acabou por ser um ato, conta, em que “acabei por descobrir muitas outras coisas”. O que descobriu intimamente não partilha mas dá a conhecer que “o que achei curioso é que eu ia também em busca de uma certa solidão e acabei por fazer muitos amigos pelo caminho e a descoberta da outra pessoa, a descoberta de uma certa irmandade. Foi para mim muito surpreendente”, explicou.
Se o interior tem locais de extraordinária beleza, mais belo é o interior das pessoas com que se cruzou. O escritor confessa que “não fazia ideia de que uma simples caminhada mostrasse a adesão das pessoas”, neste caso, num diário que ia escrevendo no facebook e que “era bastante lido. As pessoas procuravam-me na estrada e ofereciam-me ajuda ”, lembra. Deu-lhe posteriormente o título “Leva-me Contigo”, curiosamente surgido na Cumeada, concelho da Sertã. O diário que se transformou em livro ajudará certamente outros a percorrer esta mítica estrada que é descrita pelo escritor, como “o mais belo caminho para as pessoas”, onde se conhece Portugal.
Como o trajeto foi feito a pé, Afonso Reis Cabral pouco ou nada conheceu além do caminho principal. Neste trajeto de superação individual ficou por conhecer mais a fundo esta “montra do país”, por isso já regressou a alguns pontos da N2 ao longo do último ano e meio e “e isso já foi muito recompensador”. Pretende ainda fazer o percurso de carro, “com mais calma e para poder chegar onde eu quisesse, com facilidade”.
Na Sertã ficou duas noites. Lembra-se da “calma na zona do Rio e o restaurante onde jantei as duas vezes. Era excelente”, define na certeza de que “para quem está a fazer horas e horas de caminhada, conseguir parar e ficar um pouco sozinho, a jantar e apreciar a comida ao pé da ribeira, a ver as pessoas, a ver o ambiente, é extraordinário. E isso foi o melhor descanso”, completa. Da caminhada destaca que a preparação foi importante mas, mais importante é a preparação mental e psicológica para fazer 739 km. Continuar ou desistir “é uma escolha diária”, confidenciou. Neste percurso, “terá havido três a quatro momentos mais difíceis, mesmo na chegada à Sertã, em que os arredores têm bastantes casas mas muito pouca gente na beira da estrada a pé”, lembra.
Uma estrada onde, longe, se encontram os de perto
A ideia de fazer esta estrada em 35 dias teve, para o vloguer Marco Neiva, uma base profissional mas também a queria fazer a nível pessoal, ou seja, ter uma aventura onde "estaria fora de casa 35 dias, onde não tinha de pensar em muitos dos problemas de casa e ao mesmo tempo ir conhecer Portugal e estar 35 dias de uma forma consecutiva a viajar sobre aquele que é um dos melhores eixos de Portugal, ligando o norte ao sul numa estrada que é mítica, com muita história e que tem uma diversidade única”.
Ao longo de 35 dias produziu 35 vídeos, um por dia e um por cada município. Em “Partilhar a N2”, o espetador encontra um vasto manancial de histórias diferentes e inesperadas. Na Sertã, mais concretamente no Monte de Nossa Senhora da Confiança, em Pedrógão Pequeno, encontrou turistas de Vila do Conde, perto de Barcelos, “onde eu nasci. No centro do país, da forma mais inesperada possível, acabo por encontrar gente que é de muito próximo da minha terra natal e que também estava a fazer esta estrada”, acalenta. Mas esta história, que começou na Sertã, teve continuidade pois, meses depois, todos se reencontraram perto de suas próprias casas, em Vila do Conde. “Ele aponta para mim e diz: tu não és o Marco que fez a N2? Nós cruzamo-nos na Sertã no Monte da Senhora da Confiança. Lembrava-me perfeitamente deste episódio, só não esperava que na minha deslocação a Vila do Conde me fosse cruzar com ele”, reforça. Há ainda outro encontro, o que teve com João Félix. “Foi para mim uma alegria muito grande e aconteceu na Sertã. Trocámos ali umas palavras de incentivo e foi de facto muito importante ver mais uma pessoa que vai ali, naquele momento, num projeto que é um projeto em comum”, foca.
Os vídeos que publicou tiveram como objetivo causar impacto nos de fora, mas também nos que, dentro da N2 o ajudaram, e que ele próprio ajudou a promover. “Tenho pessoas que me mandam mensagens a dizer que estão a percorrer esta estrada e estão a ir a todos os sítios que visitei. Isso é algo do qual eu me orgulho muito”, confessa.
Neste país de contrastes onde também o fascinou a mudança de sotaque, foi a afetividade daqueles que, no interior, o receberam bem e isso foi o que mais o marcou. “Têm uma forma de estar diferente do litoral e acima de tudo um bem receber que torna este eixo um produto único e que vai captar o interesse de muitos portugueses e de muitos turistas estrangeiros”, elucida.
Da Sertã leva o acolhimento exemplar de tudo e de todos. “Fui muito bem recebido em todos os municípios e especialmente no Município da Sertã. Fui contactado por um dos colaboradores do município a disponibilizar-me tudo o que eu precisasse desde meios logísticos, alimentação, dormida, e depois também serviu como um guia e fonte de informação para eu poder destacar o que de mais incrível aqui existia”, confirma.
Por todos os motivos descritos e que ainda serão escritos, Marco Neiva também acredita que o interesse por esta via irá continuar nos próximos anos, muito por causa das suas características e também da sua história que já leva 75 anos de caminho.