SERTÃ/N2: Caminhos que ligam e que unem – “Uma rota interior”

A viagem pela Estrada Nacional 2 (EN2) não termina sem antes “espreitarmos” para dentro das lembranças daqueles que, de cá, saíram para fazer esta estrada.

SERTÃ/N2: Caminhos que ligam e que unem – “Uma rota interior”

Sentimos com quem partiu de cá, a arte de respeitar uma história que se palmilha quilómetro a quilómetro, ao longo de 739 mil metros.  

Pedaladas, à hora, marcaram aventura sertaginense

Um dos sertaginenses que já fez esta rota foi João Carlos Almeida. Engenheiro de profissão, aceitou o desafio do amigo José Marques e partiu numa aventura que durou seis dias do mês de junho de 2019. Colocaram as bicicletas numa carrinha e em Chaves iniciaram a viagem, às 06:00, “sem qualquer tipo de agendamento. As decisões eram tomadas à hora, sem planos. Tínhamos as mochilas e parávamos ao anoitecer para pernoitar”, confirma João Carlos Almeida. O único objetivo era estar em casa, na Sertã, ao terceiro dia e fazer o percurso todo em seis dias”. Porque de uma aventura se tratou, ao segundo dia avistaram terras sertaginenses. Chegaram antes do previsto e apesar da iniciativa não ter sido sua, confessa que “foi muito agradável e uma aventura muito boa”.
Desde que fez esta estrada até aos dias de hoje já passaram muitos meses e passou também o verão de 2020 em que muitos se aventuraram, tal como João Carlos Almeida. Na sua opinião, e pelo que vai conseguindo saber, o concelho da Sertã tem beneficiado com esta rota. “Na altura havia acontecimentos esporádicos mas desde aí até agora deu-se um boom muito grande”, confirma, dando igualmente conta de conversas que tem tido com os comerciantes do concelho que “sentem que a N2 está a dar um empurrão muito grande ao turismo e à hotelaria”. “Muitos municípios que não entraram no início, já entraram porque estão a ver o potencial crescente que esta estrada tem”, adianta.

Quem faz este percurso a pé ou de bicicleta tem sempre dificuldades inesperadas. João Carlos Almeida e o colega não foram exceção e o aventureiro lembra a rotura muscular do parceiro, logo no início da viagem, e as dores próprias de quem anda muito tempo de bicicleta, o calor e as zonas sem água, “mas a vontade de ter sucesso e de não desistir eram maiores”, lembra, dando também conta que as ajudas foram muitas ao longo do percurso e “foi muito acolhedor. As pessoas falavam-nos muito bem nos locais onde parávamos”, diz, lembrando igualmente o apoio dado, pela Rádio Condestável que foi dando a conhecer, diariamente, o ponto de situação desta aventura. “Sentimos algum apoio e calor da nossa terra”, agradece.
No fim de contas, e apesar das dificuldades, fizeram o percurso em quatro dias e meio numa média de 167 km por dia, “o que foi muito bom, principalmente para uma pessoa que tinha já 68 anos, como o meu companheiro de viagem. Não é para qualquer um”, enaltece.
Passado este tempo, existe o projeto de regressar à estrada, para ver outras coisas que não se viram. João Carlos e o colega optaram por este molde de fazer o percurso, mas “há muitas formas de o fazer, mais tranquilamente, para desfrutar da paisagem e quem puder e tiver tempo, pode programar a viagem e perceber o que pode visitar em cada local. Pode demorar mais tempo e usufruir mais”, aconselha. Voltar à estrada só não aconteceu este ano por causa da pandemia mas “farei para o ano, novamente de bicicleta, com um tio que está com vontade para isso”, confirma. O caminho continuará a ser feito em conjunto com todos os municípios, acredita, até porque diariamente muita gente revela nas redes sociais o que viu e o que sentiu.
A sinalética é o “calcanhar de Aquiles” deste projeto. João Carlos Almeida sente-o também na Sertã, confessa.

Vontade Vespa para se fazer à estrada cresce a cada dia

Existe desde agosto de 2009. O Vespa Clube é uma das associações do concelho da Sertã que realiza passeios anuais, nomeadamente no Feriado Municipal do concelho, no Festival de Gastronomia do Maranho e no Natal com o passeio dos pais natal e as consequentes visitas às Instituições Particulares de Solidariedade Social do concelho. Constituído por cerca de 12 elementos Vespa, o Clube pretende fazer a EN2. “Já temos isso em mente há dois anos”, mas “falta algum planeamento e uma pessoa que tenha conhecimentos da viagem”, diz José Leitão, presidente da coletividade, confiando que “se Deus quiser vamos fazer”. Esta rota, não tem dúvidas, “é uma coisa muito importante”.
Curioso e conversador por natureza, José Leitão não deixa passar a oportunidade de, quando vê grupos de motards na Sertã, apresentar o seu concelho e claro, as suas vespas, como aquela ocasião “em que passou aqui um clube de vespas da Lousã que até já nos fizeram uma visita. Estamos em dívida com eles”, reconhece, deixando com este exemplo a certeza de que são muitas as interações que se criam e que perpetuam o misticismo da EN2.

Sertã Milhas nasce impulsionada pela EN2

Sertã Milhas é uma associação sertaginense que nasceu da carolice de quatro amigos, numa conversa de café, e já a pensar na EN2, tanto que um dos primeiros eventos realizado foi o percurso de Sertã até Chaves, recorda Jorge Lourenço, agradecendo a lembrança de um dos principais impulsionadores da coletividade, o sr. Horácio Ferreira que “foi quem nos introduziu o bichinho dos carros antigos”, confidencia.  

Chegada a hora de fazer a estrada, os planos eram otimistas e a vontade era fazer o trajeto de Chaves até à Sertã num só dia. Apesar da desconfiança acederam embarcar nesta aventura que acabou por não correr como o previsto. Após um arranque defeituoso, “conseguimos chegar à Sertã, muito mais tarde que o previsto, mas chegámos; era meia-noite. Tudo isso faz parte de uma história que havemos de deixar num livro com as memórias do Sertã Milhas”, explica. O segundo passeio, da Sertã até Faro correu bem melhor. “Ao contrário do primeiro este foi bem programado e correu muito bem”, nota. Os dois percursos foram feitos há algum tempo, antes do boom de turistas verificado este ano e por isso, nas paragens que fizeram, não houve grande recetividade, exceto em Chaves e em Faro com os órgãos autárquicos e onde nasceram duas geminações.
No contexto da EN2, a pandemia veio acalentar a vontade de sair de portas e levou muitos a fazerem-se à estrada. No caso do Sertã Milhas veio atrasar alguns projetos como por exemplo “uma nova viagem pela N2”.
Pelo que se vê, Jorge Lourenço não tem dúvidas que o projeto da Rota da EN2 trará muitos benefícios para a Sertã, assim se saiba tirar proveito a nível local, por exemplo, “cativando e dando uma boa recetividade aos que aqui param e acho que isso tem sido feito”, diz. “Estamos no interior com boas acessibilidades e será um concelho bafejado pela sorte e até, mais tarde, com pessoas interessadas em aqui se fixarem”, acredita, até porque “tudo isto é um encadear de situações”, remata.

Um futuro que se avizinha otimista

A expectativa é muita para ver como se comportam, tudo e todos, numa próxima vaga de turismo da N2.
A nossa viagem pela EN2 termina por aqui. Nunca será um fim, até porque haverá sempre muito e muitos para dar a conhecer neste concelho situado ao quilómetro 345.

Nestes tantos quilómetros de montanhas que rasgam o céu e de vales que se deixam engolir numa paisagem que difere a cada passo, a cada pedalada, existem riachos escondidos e vastos espelhos de água, lugarejos perdidos e cidades ricas em património. Existe, acima de tudo um território de gente, autêntica, verdadeira e guardiã de saberes ancestrais, pronta para receber qualquer um de braços abertos.
Ao longo desta viagem, percebemos uma outra mensagem, a de que “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce”, já o dizia Fernando Pessoa que haveria ainda de dizer que “Tudo vale a pena/Se a alma não é pequena”.
Este é, portanto, um projeto que tem valido a pena e demonstrado que a vontade do homem, aliada ao sonho, faz com que a obra da EN2, que nasceu para ajudar a desenvolver o país, continue agora, com o intuito turístico, a expandir negócios e a trazer riqueza ao território.
Nesta mensagem, que não é a de Pessoa, podemos continuar a ler que esta “É a Hora”, a hora da EN2.
Faremos novas viagens ao longo de 2021, continuando a descobrir o que de melhor existe para além do asfalto, desta que é mais do que uma estrada: é um caminho que cada um deve tornar seu.

Até breve e... boas aventuras!

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