Um filme de terror que nunca perderá atualidade

No Forte da Raposa,os bombeiros foram as árvores que rodeavam o empreendimento turistico... As descrições são concretas, fortes e objetivas. O passado continua bem presente como se tivesse sido ontem. As chamas galgaram, do monte ao vale, em três minutos e meio.

Um filme de terror que nunca perderá atualidade

Carlos Pedro é proprietário do espaço de turismo, aventura e alojamento local Forte da Raposa. O empreendimento, situado em Ribeira Velha, na freguesia de Campelo, concelho de Figueiró dos Vinhos viu, pelos olhos de Carlos Pedro, o que nunca tinha visto. As descrições que faz desse sábado em que “o clima estava diferente e as condições climatéricas indiciavam que ia haver bronca”, fazem da região, espectadora de um filme de terror.
Carlos vinha de Coimbra e, como se de um realizador se tratasse, descreve que “a partir do momento em que passei na 236-1, a caminho de casa vi três focos de incêndio. Pareciam chaminés de fábrica. Não havia vento. Estava uma pressão atmosférica forte e o céu tapado. A tarde foi passada a regar muros, telhados, chão e todos os edifícios à volta. Quatro horas e meia a deitar água por cima de tudo”. Começa assim a película que o calor das chamas não vai conseguir derreter. O empreendimento salvou-se porque Carlos tinha tudo limpo à volta e as árvores em redor do Forte da Raposa, “foram os meus bombeiros. Foram os únicos que cá estiveram a ajudar”, anuncia.

O incêndio “chegou rápido, entre as 21:30 e as 22:00. Demorou três minutos e meio desde o cimo da serra até cá a baixo. Foi o tempo da mulher e da filha saírem de carro pelo lado da Serra do Espinhal”. Ao longo da noite não faltaram comunicações nem água e “isso foi bom” mas de resto, “foi um embate muito forte, muito complicado”. Carlos temeu pela vida, “Foi muito mau. A temperatura era tanta que era difícil respirar”, descreve, pegando novamente na chapa da ação. “Eu ia por a cabeça dentro do congelador de um frigorífico que tinha na churrasqueira e passava pela piscina e vi uma coisa que nunca tinha visto: bocados de casca de eucalipto com um metro, incandescentes no fundo da piscina a 1,60m de profundidade, a arderem. Quando pus a mão na água pensei que se calhar não me ia safar. Punha água por cima de mim e em menos de um minuto ficava seco. Valeu ter pressão de água até às 3 horas da manhã, quando chegou finalmente um carro de bombeiros. Depois deu cabo da pressão de água a abastecer e ficamos sem água”, desvenda.

A confusão era grande e o fenómeno “avassalador”. “O fogo vinha de todo o lado. Ele próprio gerava ventos contraditórios, que estavam sempre a mudar de direção”. “Eram turbinas de fogo que andavam de forma aleatória e entravam por onde o vento as empurrasse”, retrata.
Além de ter tudo limpo valeu ao Forte da Raposa acreditar no provérbio “se não os podes vencer junta-te a eles” e “liguei os aspersores do parque e foi com o próprio vento do fogo que a água se foi espalhado e refrescando as árvores, as oliveiras e a figueira que foi uma valente. A carvalha também. E isso ajudou a que este edifício não ardesse", lembra.
Por volta das 4:00 da manhã tudo estava mais calmo mas antes já Carlos Pedro tinha caído e desmaiado ao tentar apagar um foco de incêndio, ao balde, numa arrecadação do vizinho, “mas a água do balde que caiu sobre mim acabou por me acordar. Durante hora e meia pensei que nada ia ficar, nem eu”, recorda.
O investimento é grande e há que recomeçar. Ainda lhe resta alguma vontade mas ela “não é infinita pois há algumas contrariedades”. Onze meses depois encontram-se mazelas que os dias se encarregam de colocar a nu. “Nunca precisei de vazar a fossa e quando vieram as chuvas, os serviços da câmara já cá tiveram que vir”. Carlos explica que tal se deve ao calor que “foi tanto que a estrutura de madeira do teto de casa abateu, impercetivelmente pelo lado de dentro, e em vez das águas escoarem para dentro, escoam para fora e vão para a fossa, enchendo-a”, revela.

A conta da água denunciou igualmente que algo não estaria bem e “já vou na quarta fuga e não as consigo estancar. Estou farto de partir pedra”, lamenta pois, além de estragar a imagem da casa, estes danos, por não serem ainda visíveis, não entraram na candidatura. Contam-se ainda madeiras que agora estão a apodrecer e os bungalows onde “tudo o que foi resina ardeu e perdeu a velatura”.
No Forte da Raposa trabalha-se agora na defesa de futuros incêndios. A madeira está a ser substituída “por estruturas metálicas e resistentes ao fogo”. Esperam-se dias complicados pois a paisagem demorará a recuperar e a empresa vende turismo que agora exibe “os palitos pretos que agora tem uma base verde e que ainda faz um contraste maior”, observa, constatando que “o cenário é depressivo. Quem vier, vem por solidariedade e não consegue estar por muito tempo. É uma luta contra a depressão”.
Quanto ao futuro, esse “precisava da colaboração do Estado no que diz respeito à paisagem e natureza. Há organismos que deviam a ocupar-se de coisas que o Estado não está a tratar”, constata, denunciando que “um ano depois continuamos com os mesmos perigos junto às estradas, não há faixas de limpeza. O eucalipto continua-se a replantar e a menos de 10 metros das estradas principais. O perigo continua. Convinha que viessem cortar as árvores e tentar condicionar as plantações de eucalipto com faixas de outras árvores resistentes ao fogo”.

Enquanto o tempo corre, à sua velocidade, Carlos Pedro pensa no futuro e quer continuar a atrair turismo de natureza e aquele que trás mais-valia para o território. O processo que se avizinha trará a certificação e qualificação de algumas estruturas de desporto e aventura. O sonho comanda a vida e o empresário gostaria de ter um parque aventura e outros equipamentos já vistos em outros locais. O objetivo é ter “turismo de qualidade para que as pessoas que gostam de natureza, venham cá usufruir dela”, diz, esperançado que algumas candidaturas que se perfilam no horizonte esfumem esse fogo que, passados 11 meses ainda continua a arder de diversas formas.
Em Ribeira Velha ainda se aponta em todas as direções, nas mesmas que empurraram as chamas até aquele lugar. Vão-se reparando estragos e aguardando o tão prometido turismo de qualidade. Carlos Pedro continuará a realizar um filme que, espera, agora inverta o drama e transforme a tragédia em oportunidade, para si e para toda a região, basta que o Estado e os organismos competentes cumpram a sua parte e ajudem a colocar na tela mais personagens, orientadas por um novo guião.

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